domingo, outubro 22, 2006

Mundo Particular

Conversando com as paredes do meu mundo de quatro lados, escutei respostas-eco que depois de um tempo me fizeram sentido. Nelas não encontrei a paz, nem o aconchego esperado, mas pelo menos escutei algumas palavras, o que me lembraram que ainda vivo.
Levantei as teias de aranha, retirei metade do pó que me envolvia e resolvi enfrentar o sol tanto observado por mim pela fresta do medo. Caminhei cambaleando e titubeando os trapos ao meu redor, tentando equilibrar-me na corda bamba da fronteira em que me encontrava.
Frágil e fortalecida abri os portões e soltei as amarras que me permitir usar.
Um pequeno incômodo na visão e no olfato. Cheiros cotidianos passaram a ser estranhos e durante um minuto – acredito eu – passei a observar novamente o espaço que me permitir afastar e de repente a primeira baforada.
O vento quente só me trouxe a constatação que nada havia mudado mesmo me mantendo absorta de tudo por tanto tempo. As coisas não haviam alterado suas posições e pareciam tão empoeiradas quanto eu. A curiosa cor desbotada da vida havia se expandido para além do meu mundo e transformado o mundo que havia deixado.
Não sentia falta dele. Já não mais me pertencia. Nem sequer me pertenceu.
Eram apenas amontoados de coisas pretas e brancas, sobreposta com coerência que não me fazia falta.
Refleti. Acreditei por alguns segundos que aquilo acontecia pelo tempo despendido fora daquela realidade. Porém, com a segunda cortante baforada disse a mim mesma que não, ele não me pertencia. E o meu mundo construído nos quatro lados iguais só precisava de uma limpeza. E pensei em voltar e me embrulhar com as teias e continuar enxergando a luz através da fresta.
Mas os cheiros comuns e as cores, mesmo que desbotadas, e aquela luz - ah! aquela luz! - completa! Eles me fizeram prosseguir, retiraram os cortes dos meus olhos, o ocre do meu nariz e a paralisação das minhas pernas.
Toquei, experimentar, cheirei, provei novamente do velho incomum da vida deixada para trás. Não me contentei, mas senti que não poderia viver sem e com aquilo.
Movimentei-me mais e percebi que é necessário andar adiante e que sim, surgirão novos cheiros, gostos, toques e caminhos.
Cambaleei com a terceira baforada de horror e cacos se formaram entre os dedos. Mas não desisti do que sentia falta.
Segui em frente e sigo, mesmo que baforadas mil me abalem e me façam pensar novamente no conforto e comodismo das teias de aranha e no pouco brilho que a fresta me oferecia.

o_o Cannonball - Damien Rice

terça-feira, outubro 10, 2006

EGO


Eu pensei nos olhares perdidos dos homens que fingem ter fé, na coragem fake das mulheres entorpecidas pela vontade de viver sem sentido e nos buracos de nada que nos preenchem a alma.
A conclusão que cheguei fou a que o som do vento batendo no meu rosto e tocando meu cabelo é mais melodioso que essa sinfonia desafinada que tento entender.
Eu sou uma rima afinada no meio dos trombones e cornetas estridentes e desiguais. Eu sou a cor, o doce, o toque afeto, eu sou o cheiro das rosas, eu sou eu e repudio você.
Sou a arte ininteligível, sou suprema, de outro planeta, deusa, criadora.
Vivo em um mundo que você quer ver e sentir e entender, mas se confunde e distorce e rejeita os gostos, as cores, os cheiros, os textos.
Eu enxergo além. Você pára no meio.
Medíocre.
Eu suprema.
A poesia do meu amanhecer e as notas musicais do meu dia são para você tão incompreensíveis quanto a sua própria vida que você implora para escutar sobre e desvendar os ínfimos e tão superficiais mistérios.
Burro!
Eu suprema!
Você. Apenas um reles você.
E eu. Eu sou tudo isso que sou Eu.

sexta-feira, outubro 06, 2006

Chá de limão e mel

E hoje ele se casa. Não suporto a idéia de vê-lo casar, mas mesmo assim meu vestido vermelho, maquiagem, cabelo e meu sorriso com novas placas de porcelana estão impecáveis.
Desejo-o toda felicidade do mundo, que ela o faça feliz, muito feliz, mais do que ainda consigo fazê-lo, que tenham lindos filhos, com os olhos dele, que são lindos.
Ah! Odeio deseja-lo felicidade, mas não consigo desejar outra coisa, porque não suportaria a infelicidade dele.
Dizem que isso amor. Eu acho que é uma doença. “Qual o nome da pílula da felicidade mesmo?”
Amar? Ama-lo casando com outra e desejando-lhe felicidade eterna. E desejo sinceramente! “Existe coisa mais louca?” Imagino o altar, as juras de amor e as lágrimas vêm, não posso me borrar. A maquiagem tem que estar perfeita.
“Como minhas glândulas lacrimais podem ainda produzir lágrimas depois de dois dias aos prantos comendo tudo que ultrapassa as 300 calorias?”
Tenho que checar minha bolsa e lembrar do texto. Ensaiando: “Meus Parabéns! Que vocês sejam muito felizes e que você cuide bem dele, viu?! Ele é o cara perfeito para mim. Não era bem esse o final, mas ficou bom. Ermm... Ele é muito especial”. Ai que horror! Uma pessoa “especial”. O que é isto? Especial para quê?
Enlouqueci. Enlouqueço. Enlouquecerei.
Lembrar de ficar longe do álcool e do buquê. Lembrar do lado da igreja. Lembrar o nome da igreja. “Move on!” Levanta! Vai chegar atrasada, como sempre e como sempre ele me dizia.
Ah! Sem lágrimas desta vez!
Atraso. Gripe. Chá de limão com mel. Chá. Café. Cafés. Noites em claro. Vinho. Tinto e branco. Mãos dadas. Coxas. Costas. Azuis. Castanhos. Mãos dadas e cabeça no ombro.
E hoje, ele se casa.