As palavras quando bem colocadas conquistam. Isto ela sabia muito bem. Sentia-se mestre nas frases de efeito originais e nas saídas estratégicas, respostas para situações de risco e momentos diplomáticos evasivos. A organização das palavras de forma atraente e intrigante era um dos seus desafios favoritos. Este ato, que podia levar dias, era o que a levava correr riscos e lhe dava a sensação de duelo seguro. Até aquela tarde de domingo, que como todas as tardes de domingo trouxe a despretensão e a despreocupação de sermos quem somos sem medir esforços de projeção de imagem.
A traição das palavras começa pelo dia da semana. Ela respondeu a mensagem antes despretensiosa, sem analisar o contexto, entregando-se ao deleite da coloquialidade expressa na sua blusa de flanela, cabelos desgrenhados, hálito de café e cama desarrumada de final de semana. Não levou as armas da retórica consigo. Apenas respondeu. Falou da semana, do dia, da hora, das vontades. Não mediu palavras, nem revisou acentos, encheu de reticências o pequeno texto, sinalizando seus suspiros e paradas não programadas entre um gole e outro. Entregou-se.
Assim, nem percebeu que na resposta da segunda-feira o opositor já possuía seus pontos fracos e imaginava seus pontos fortes. O seu interlocutor já a lia, assim como leu e dissecou todas as suas palavras. Ele era um jogador tão hábil quanto ela e com uma vantagem esmagadora. E ele ganhou o primeiro duelo, a segunda batalha. Empataram a terceira. Na quarta, ela já se sentiu mais segura. Na quinta, ele decidiu recuar, deixando a decisão para a sexta, surpreendendo-se mais uma vez e levando a discussão para o sábado. Então, como em um movimento extremamente calculado, ele desarmou-se e falou sem amarras, deleitando-se na sua coloquialidade de final de semana de quem passeia às 10 da manhã e para em um café, pedindo um pingado e um croissant, com chinelos nos pés, substituindo a sisudez da gravata diária.
Ela, então, o conquistou. Mas ficou tão perplexa com o movimento não previsto que decidiu não finalizar o adversário. Esqueceu-se do domingo. E apenas abriu a guarda para que mais palavras a envolvessem e pudesse montar um contra-ataque fulminante. O contra-ataque não fluiu. As palavras tornaram-se música. E a cada nova linha lida, cada questionamento atrevido ou afirmação blasé, uma nova melodia era iniciada. E tudo se concatenava. E cores brilhavam das crases, das siglas, dos pequenos erros, envolvendo-os num arco-íris de sensações que apenas aqueles que conversam sem amarras compreendem. E tudo era dito, nada esquecido de se compartilhar.
Mas as palavras traem e o fazem durante os dias da semana. Uma pergunta bem colocada, uma afirmação vazia, um desencontro de informações revelam mais que um emissor pode desejar. Assim, sem a preocupação da construção do discurso, das amarras das regras do jogo, ambos misturaram todas as cores e transformaram a linda sinfonia em um barulho ensurdecedor. Acabaram-se os parágrafos. Não sobrou nem uma linha. Assim, fez-se o silêncio.